Quinta-feira, 22.04.10

Genial!

Eis o flagelo do Eyajafjalla, por Ricardo Araújo Pereira

 

Que reflexão merece a erupção do vulcão Eyjafjalla, situado em Eyjafjallajokull? Primeiro, uma constatação linguística: aquilo que, para nós, é escrever letras à balda no teclado, para os islandeses é toponímia. Eyjafjallajokull é o tipo de palavra que aparece se eu fechar os olhos e carregar aleatoriamente em teclas. Na Islândia, é um sítio. Será que um islandês vendado escreve correctamente "Carrazeda de Ansiães" no seu computador? Não sei, e a comunicação social parece mais interessada em seguir o rasto às nuvens de cinza do que em falar das questões que verdadeiramente interessam, como esta.

Outro problema importante é o de investigar o modo como um amante da natureza deve olhar para o vulcão. Não faz especial sentido que uma pessoa que sofre pela extinção do lince da Malcata se alegre com a extinção do Eyjafjalla. Não é verdade que o Eyjafjalla é tão natural como o lince? Um vulcão é uma espécie de borbulha do planeta. Desenvolve-se e fermenta silenciosamente até esguichar um doloroso pus (espero não estar a ser demasiado técnico). Mas faz parte da natureza como um carvalho ou um golfinho. A única diferença é que os vulcões estão para a natureza como os convidados bêbados estão para uma festa. O anfitrião, como o amante da natureza, quer ter a mesma gentileza para com todos os convidados, mas há um que entorna coisas e apalpa senhoras. É o vulcão. Por isso, querendo ou não, todos nós sabemos, no íntimo, que há natureza de primeira e natureza de segunda: uma que deve ser protegida e apreciada e outra que é simplesmente desagradável. No entanto, por vezes cometem-se injustiças - e eu estou particularmente atento ao facto de, na natureza, haver filhos e enteados. É uma observação que faço amiúde na qualidade de amante da natureza mas, principalmente, na de apreciador de caracóis. Muitas vezes estou a desfrutar de um pires de caracóis e percebo o olhar de repugnância que alguém me dirige. E, quase sempre, não tem a ver com o barulho repenicado que faço a tirar o bicho da casca, mas simplesmente com o facto de eu estar a comer caracóis. O mais interessante é que, na esmagadora maioria dos casos, quem me censura por comer caracóis bebe leite e come ovos. O leite, recordo, é uma gosma produzida no interior de uma vaca, e os ovos são - não há como negá-lo - a menstruação da galinha. É impressionante a hipocrisia destes moralistas da nutrição. Mas, ultrapassada esta lógica e inevitável digressão pelo tema dos caracóis, voltemos à questão do vulcão.

 

Se há pensamento que deve alegrar-nos, nesta altura, é este: Portugal foi poupado aos mais violentos fenómenos naturais. Não somos arrasados por tornados, nem devastados por tsunamis. Não temos vulcões que nos aflijam nem avalanchas que nos soterrem. A natureza não tem culpa nenhuma de que Portugal esteja como está. É certo que, volta e meia, aparecem umas chuvas mais abundantes e, lá de longe em longe, um terramoto. Mas em geral o nosso clima é ameno e simpático, por muito que a comunicação social se esforce para descobrir desastres naturais em qualquer rabanada de vento. Ainda na semana passada, a fazer fé nos jornais, houve um minitufão no Algarve e outro em Lisboa. Na impossibilidade de sermos visitados por tufões, temos minitufões. Note-se que a expressão "minitufão" nem sequer faz sentido. Não há, por exemplo, microgigantes. Um minitufão é, na verdade, um tufinho. Na semana passada Portugal foi, portanto, assolado por dois tufinhos. Não é especialmente assustador.

 

http://aeiou.visao.pt/eis-o-flagelo-do-eyjafjalla=f556142

publicado por Rita Matias às 23:24 | link do post | comentar
Quarta-feira, 14.04.10

Confiança

Não sei se é um problema meu, ou apenas do feitio, mas não consigo confiar em quem não confia em mim. Em parte porque se alguém não se sente suficientemente à vontade para me "incomodar" as tantas da noite, também não estará disposto a que eu faço o mesmo. Mas principalmente porque a confiança não é algo vivido a uma só voz, mas sim a duas. Nasce gradualmente, cresce e tem de ser mantida.

 

É exactamente esse o problema, a manutenção. Talvez não seja apenas uma problema de confiança, mas comigo as relações tendem a estagnar até a um patamar em que ninguém diz nada porque acha que não interessa ao outro, porque pensa que vai incomodar, porque as pessoas deixam de ter a mesma receptividade e disponibilidade, porque a vida assim o proporciona e as pessoas não lutam contra a maré.

 

Isto deixa-me triste. Triste e um pouco só também. Se uma pessoa não nos procura, não vê em nós uma ajuda, quem somos nós para a procurar? Sinceramente, nestas alturas começo simplesmente a sentir que estou a mais, que estou a estorvar os outros, e, portanto, fico quieta no meu canto.

 

A confiança alimenta-se, mas o mais espantoso é o facto de sobreviver a longos períodos de fome. Basta as pessoas querem.

 

A confiança não desaparece do nada, eis a minha esperança.

publicado por Rita Matias às 13:14 | link do post | comentar

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